Não há dúvida de que, em parte, os fundamentos do mercado explicam a alta nos preços do café.
No entanto, a fuga dos investidores de ativos de risco -particularmente aqueles atrelados ao dólar- para as commodities agrícolas também contribui para o atual comportamento das cotações.
Esse movimento crescente se baseia na liquidez do mercado financeiro e na concentração de capital em um punhado de investidores.
Sua existência, porém, pouco tem a ver com os motivos que levaram à criação dos mercados futuros agrícolas. Na verdade, estamos diante de uma distorção na lógica de funcionamento desses mercados.
As Bolsas de commodities surgem a fim de mitigar os altos riscos incorridos por produtores e consumidores.
Devido à instabilidade sazonal da produção e à inelasticidade da demanda e da oferta no curto prazo, fez-se necessária a criação de mecanismos de proteção aos produtores.
Por meio da negociação de contratos futuros, os produtores fixam, no tempo presente, o preço do ativo para uma data futura. Com isso, reduzem sua exposição às oscilações não desejadas, assegurando maior previsibilidade à atividade.
Para os consumidores, os benefícios são óbvios: maior estabilidade no mercado e a criação de um instrumento incentivador da produção.
Entre as duas pontas da cadeia, milhões de interessados nesses contratos os negociam diariamente. Admite-se que, quanto maior o número de especuladores, maior a liquidez. Em outras palavras, mercados em que muitas pessoas participam seriam também mais eficientes.
Essa hipótese tem sido incansavelmente testada, com resultados parecidos: a volatilidade dos preços das commodities diminui conforme aumentam os negócios dessas commodities no mercado de futuros.
Nos últimos tempos, porém, dois aspectos têm modificado essa lógica: a exagerada liquidez no mercado internacional e a forte presença de especuladores nos mercados de derivativos.
ALTAS À VISTA
Atualmente, cerca de 80% das posições compradas no mercado futuro de café arábica da BM&FBovespa são de pessoas jurídicas não financeiras, com destaque para os fundos.
Parte desses agentes é classificada como "noise traders": detentores de limitada informação sobre o mercado, negociam em resposta a boatos ou a pequenas alterações na oferta ou no clima.
Em consequência, nota-se aumento na volatilidade dos preços futuros, algo transmitido aos preços à vista.
Os contratos futuros, outrora um instrumento de proteção, tornam-se determinantes para desestabilizar o mercado spot. Ou seja, o mercado do café vem deixando os fundamentos de lado, operando segundo o ritmo do mercado financeiro.
Como ficam, então, os supostos beneficiados pela criação da Bolsa, os produtores e os consumidores?
Para os consumidores, as notícias não são boas. As altas atuais devem levar a aumento de 10% a 15% nos preços do café.
Entre os produtores, também existem motivos para preocupação. Pesquisa recente realizada pela Unicamp/USP/Ufscar e Fapesp mostra que 50% dos produtores consideram o mercado de futuros uma alternativa arriscada.
Da mesma forma, quase 50% dos que o conhecem não utilizam as Bolsas devido à necessidade de depósito de margem de garantia e do pagamento dos ajustes diários.
Resultado: boa parte dos produtores está exposta ao risco, algo que pode levá-los a abandonar a atividade.
Para o produtor, portanto, valem as palavras do economista John Maynard Keynes: "A longo prazo, estaremos todos mortos".
SYLVIA SAES é professora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO
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